terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Vida Terminal






Você está deitado na cama da UTI. Lá fora não se sabe ao certo se é dia ou noite. Faz algum tempo que você se habituou a essa rotina sem horários e compromissos. Aparelhos e fios se prendem ao seu corpo te obrigando a ficar estático diante da própria vida. O médico de cabelos grisalhos chega até sua cama. Ele carrega uma prancheta na mão e uma tristeza nos olhos. Você o encara. Ele, aparentemente atordoado, fica longos segundos sem ter o que dizer. Deixa a prancheta no cômodo ao lado e volta a te encarar novamente. Você começa a ficar angustiado. As primeiras palavras dele são: “Eu sinto muito. Fiz o que pude.” Sua angústia instantaneamente se transforma em desespero. Ele volta a falar palavras assustadoras: “Sua doença tomou conta de órgãos vitais. Vou injetar um forte remédio em você para não sentir dor quando a hora chegar. É... na verdade.. me desculpe, desculpe mesmo, mas você só tem 1 hora de vida.” O tempo para. O médico vai embora. Tudo parece ficar em câmera lenta. Ele volta lentamente com a injeção nas mãos e coloca o veneno nas suas veias. Agora só o tempo sabe o que você vai sentir nos próximos 60 minutos. O que você faria? Essa é a hora fatídica em que todos olham para trás. E seguindo a tradição, você também provavelmente vai pensar no que fez com a própria vida. No que de fato você se arrependeria? De não ter comprado aquele carro importado ou de ter recusado aquele piquenique com a família? Das palavras grossas que você disse ou das doces que deixou de falar? Você se arrependeria de não ter guardado mais dinheiro ou das viagens que deixou de fazer? E quanto às longas noites de trabalho, você deveria ter recebido uma promoção ou chegar a tempo em casa para dar boa noite aos seus filhos? Será que, enfim, na última hora do seu respiro, você se arrependeria de não ter aproveitado a vida? Bom, eu espero que não. Pois deve ser muito triste abrir os olhos quando você sabe que nunca mais vai acordar.  

domingo, 24 de julho de 2011

Asma





Tem algo preso dentro de mim. Memórias, lembranças, resquícios de um alguém que perdeu significados. 
O ar não entra, a raiva não sai. O ciclo está quebrado. Como posso respirar?
Parece que o oxigênio brigou com meu estado de espírito. Parece que estou sendo esmagada por dentro, pelo próprio peso da mente. Devastadora, espreme órgãos, quer matar o coração.
E o ciclo quebra. Um corpo que de tantos ares passados não permite o puro entrar. 
E o que faz de mim doente, é exatamente a falta dele. Ar Puro. Ar que só sinto na brisa dos meus cabelos, 
ar puro que só sinto quando toca rostos alheios. Ar que renuncia entrar nos meus pulmões. 
Mas o elemento não é a culpa da minha doença, eu mal sabia que podia controlá-lo. 
Como ele pode entrar se nada pode sair? Como posso mudar se as raízes ainda estão ali. 
3,4,5,7 anos eu cresço, nada se transforma. O tempo não existe para meus fantasmas, eles estão exatamente ali, onde deixei há tantos anos. Afinal, ninguém inconveniente muda por vontade própria. 
As vezes, é preciso exigir que nos deixem. Já que não agüento mais lembranças sendo assobiadas nos meus ouvidos. Chega. Quero a liberdade da minha própria vida. 
Quero deixar sair o mesmo ar que entra no meu corpo. E que seja instantâneo, que seja limpo, sem obstáculos, sem barreiras. E assim eu saberei, estarei livre. Estarei saudável. 

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Dia de cão




 Nesse exato momento, me encontro deitado na cama. A escuridão do quarto dá boas vindas a luz prateada da lua pela janela escancarada. Não deito como um homem são que tranqüilo adormece. Pelo contrário, minha situação é de plena desgraça. O mundo cai aos meus olhos toda vez que ouso abrir minhas pálpebras. 
O peso da alma é indescritível. A dor no peito, habitual. Porém, ainda assim dolorosa. 
Seguro como garras o lençol branco em agonia, minha posição é fetal. Meus gritos são abafados pela minha estúpida consciência. A vergonha do grito aos poucos se habitua à existência. O choro, tento evitar ao máximo. Enquanto mais tempo resisto, parece que agulhas querem descer a garganta em desespero. 
Os minutos passam lentos demais enquanto enfraqueço, o corpo ainda pesa mas parece anestesiado. 
Meu Deus! É tudo tão triste... Tão trágico. Queria acordar, queria não acreditar. Já está feito. 
Tragédia irreversível. Respire, é só mais um dia de cão.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Conversa na Sarjeta



 -É sempre assim tão constrangedor você ver o mundo de um jeito que não cabe nas suas palavras?
-É meu amigo, as vezes a instância do momento me tira a lucidez da vida. Mas não deixo de ser quem eu sou enquanto as palavras me definem em um rascunho qualquer.
-Então publique tudo! Assim todos vão descobrir quem você verdadeiramente é.
-É tudo que eu mais quero, porém me faltam histórias novas para contar, me faltam conteúdos para descobrir. Estou juntando materiais, estou vivendo. Afinal, o aperfeiçoamento de cada palavra é feita de vivência e experiência.
- Então todos nós construímos nossos próprios livros?
- De certo que sim.
-O que fazer então quando tudo termina?
-É disso que eu mais me preocupo. Você tem apenas uma vida para desfrutar e muitos riscos de se tornar só mais um livro esquecido na estante.
-Então vamos brindar e independente de tudo fazer de nossas vidas algo inesquecivelmente memorável!
-Sim! E que nossas histórias durem por toda a eternidade. Vai ser um bom livro, eu prometo!

terça-feira, 26 de outubro de 2010

O quadro branco





Aos poucos vou colorindo esses dias vazios com branco.
Desejos indispostos, sentimentos confusos,pensamentos sem foco.
Dependência que incomoda
Rotina que só piora, onde está minha paleta de cores? Faltam tantas cores!
Me habituo com o preto e branco já comum, retrato antigo, existência tradicional.
O que é triste não é novo, o que é bom, virou raridade.
Péssima hora para matar dias, é que a paralisia me pegou. Me encontro em tupor.
Não leio, não vejo, não ouço, não quero sentir embora o sentimento sempre chega sem convite nem hora marcada.

Quando me reencontrar novamente, que tal começarmos com o verde? Esperança talvez seja um bom começo.
Ando precisando um pouco de amarelo também. Bem-estar e radiação que tanto falta.
Com certeza o vermelho se fará presente. Quem seria de nós sem o amor, não consigo imaginar o vermelho ausente do meu quadro. Tudo que vibra, tudo que queima, sempre com muita força e presença.
Coloco um pouco de azul, afinal, os sonhos sempre estarão ali, em minha mente esperando educadamente um dia incerto e mesmo que esse dia não chegue, são desses sonhos que me alimentarei nos piores momentos.
Azul e verde, sonhos e esperança, serão duas bonitas pinceladas.

Um projeto de um começo. Depois de um tempo, não sou mais eu que pinto o quadro mas o quadro que me espelha. Só preciso começar.
Olho para o branco angustiadamente, confusa, perco as ações de minhas mãos.
Onde está minha paleta de cores?
 Até quando não sei, mas a ausência de cor é o meu mais novo auto retrato.Cores que se perdem entre móveis, entre cenas. Cores que foram roubadas para alimentar talentos alheios. Chega de tanto branco. Esse quadro clama por vida enquanto eu,
paciente que sou, espero meu arco-íris.

domingo, 26 de setembro de 2010

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 É uma tal carência de afeto. Um vazio enorme. Por que é tudo assim tão cinza? Pura fumaça ao vento
O que está errado a gente simplesmente se conforma porque sabe que não existe volta para o que já é certo.
E o que é bom as vezes muda só para piorar.
Quebra-cabeças que fazem parte da vida. E nem sempre todos olham por um mesmo ângulo.
Nem sempre o que a gente espera acontece. Na verdade não há conformação, é simplesmente convívio.
Convívio do problema cotidiano que não deixa de matar. Aos poucos e em partes. Problemas que machucam o coração e quando nos damos conta já não existem problemas, pois nos tornamos o próprio problema. Algo que se acopla a alma e aquilo que nos faz tão mal começa a fazer parte do que somos, do que nos tornamos. É simplesmente convívio. Onde está o afeto quando não temos onde mais procurar?
Onde estão as palavras doces quando nossos ouvidos são esquecidos? Passamos aos poucos vivendo como em prisões. Algumas com grades outras não. A vida passa a ser vivida como se entrassemos em uma cela e saíssemos na outra. Pois a única saída é apenas outro beco sem saída. Não é dessa forma que tinha que ser. Mas que poder tenho eu para querer? Não vejo os outros vivendo da mesma forma como vejo minha vida. Existe algo errado mas sou impotente quanto aquilo que me faz mal. Pois a fonte não se muda.
É uma tal carência de afeto. Minhas palavras se tornam secas quando não existe afetividade nos meus gestos. E tudo isso começou desde quando me descobri uma pessoa fria. Sem você. É como se eu não tivesse nada além dos meus dias cinzas.




terça-feira, 14 de setembro de 2010

Mãe é (tudo) quase igual



 Mãe é tudo quase igual


-Menino, vá já pra cama, isso são horas? São 6 horas da manhã e daqui a pouco o sol já vai nascer.
Não se esqueça que hoje você vai acordar cedo viu, quero te ver 7 horas da noite em pé e sem reclamar.
Há muito o que fazer nessa madrugada, seu pai precisa caçar nosso jantar, aquele incompetente, hunf (faz cara de brava). Quatro noites e não consegue trazer nenhuma gota sequer! Onde já se viu isso?
Pelo jeito vou ter que comprar mais no banco hoje. Quero só ver o dia que nosso dinheiro acabar, como vai ser.
Ah e faça-me o favor de não se alimentar de ratos enquanto eu estiver  fora. Isso foi lá educação que eu te dei, garoto? Tenho certeza que você não vai gostar nada de experimentar minha sala de tortura se continuar me desobedecendo.
Agora, vá já pro caixão! Se não quiser ficar com um belo bronzeado.